Em Bom Despacho, o Museu da Cidade prepara-se
para o futuro
05/06/06 – Jacinto Guerra*
“Depois da cidade, o mundo; depois do mundo as
estrelas.” Carlos Drummond de Andrade
No
Rio Grande do Sul, o Sistema Estadual de Museus decidiu:
Museu, toda cidade merece o seu carinho.
A
cidade de Bom Despacho, em Minas Gerais, fica situada
a meio caminho entre Araxá e Belo Horizonte,
na direção da Serra da Saudade. É
uma pequena capital da região que vai das nascentes
do Rio São Francisco até o grande lago
de Três Marias. A povoação tem sua
origem nos fins do século XVIII, quando colonizadores
portugueses, naturais do Minho, fundaram a pequena aldeia
de Nossa Senhora do Bom Despacho, nas encostas de três
colinas, lugar muito pitoresco pela beleza e amplidão
de seus horizontes.
Foto:
Interior do Museu da Cidade
Modernamente
conhecida como a cidade da Senhora do Sol, Bom Despacho
tem, na Museologia, uma interessante história
de pioneirismo. Uma locomotiva-monumento, a Maria Fumaça,
é a primeira peça do Museu Ferroviário,
em organização por iniciativa de trabalhadores
de empresas que sucederam a antiga Estrada de Ferro
Paracatu. Esta ferrovia ? cujos trilhos começavam
no centro de Minas Gerais e se dirigiam ao Planalto
Central do País ? tinha em Bom Despacho sua sede
e um grande canteiro de obras.
Desde
a década de 1930, o edifício-sede, os
escritórios e o setor residencial de engenheiros,
técnicos e operários da antiga ferrovia
integram a atual Vila Militar do 7º Batalhão
da Polícia Militar ? hoje moderna e dinâmica
cidadezinha-museu, de arquitetura inglesa, cercada de
pequenas muralhas, onde destacam-se a bela residência
senhorial do comandante, alguns bangalôs, um coreto
em estilo chinês, uma igrejinha, áreas
verdes ? e um quartel que mais parece um palácio.
Gravadas em lugares diversos desta unidade militar estão
as iniciais EFP, preservando o nome da histórica
Estrada de Ferro Paracatu.
No
Quenta-Sol, periferia de Bom Despacho e antigo lugar
de população negra ? rico em lendas e
tradições afro-brasileiras ?, um acervo
de peças dos tempos da escravidão e dos
quilombos está sendo organizado para formar o
Museu do Negro.
No
primeiro governo do prefeito Haroldo Queiroz (1997-2000),
a cidade viveu um período de expressivo desenvolvimento,
especialmente nas áreas de educação,
cultura e lazer. Com isto, um pequeno grupo de voluntários
instituiu o Museu da Cidade - MdC, que hoje funciona
no interior de um prédio da Prefeitura, na Avenida
Ari Marques, ao lado do Paço Municipal Antônio
Leite, no centro da cidade.
Inaugurado
com uma solenidade especial, no dia 30 de maio de 1998,
na abertura das comemorações do 86º
Aniversário de Bom Despacho, o Museu da Cidade
é uma iniciativa de Nilce Coutinho Guerra, artista
plástica e professora de Educação
Artística, formada pela UnB-Universidade de Brasília,
que idealizou e organizou o Museu, num trabalho voluntário,
colocando a serviço da comunidade seus conhecimentos,
estudos e experiências na área da Museologia.
O
empreendimento tornou-se realidade em parceria com a
Prefeitura, através da Secretaria Municipal de
Cultura e Turismo, o apoio de algumas instituições,
de empresas e famílias de Bom Despacho, destacando-se
os recursos humanos e a estrutura administrativa da
Biblioteca Municipal.
A
solenidade de inauguração do MdC, contou
com a presença, ao lado das autoridades municipais
e lideranças da cidade, de uma delegação
oficial de Vila Verde, Portugal, cidade irmã
de Bom Despacho, situada na província do Minho,
região de onde vieram os colonizadores da cidade
da Senhora do Sol.
O
MdC consolidou-se com a fundação da Associação
Museu da Cidade-AMC, instituída em 3 de maio
de 1999. O presidente da AMC é o empresário
Julio Benigno Fernández, cidadão argentino
que mora em Bom Despacho e atua na indústria
de produtos com pedras semi-preciosas. Natural de Concepcion,
Norte da Argentina, Julio Fernández residiu muito
tempo em Buenos Aires e depois em São Paulo,
adquirindo grande experiência de Brasil e uma
visão cosmopolita da cultura.
A
fundadora do Museu, Nilce Coutinho Guerra, exerce as
funções de diretora e representante da
AMC em Brasília, responsabilizando-se pelo planejamento
de ações administrativas de natureza técnica
e pela supervisão de atividades e coordenação
de eventos especiais.
Nilce
Coutinho afirma que “o Museu precisa de recursos
financeiros para aquisição de equipamentos
de segurança e manutenção, vitrines
especiais, armários para a Reserva Técnica.
Necessita, ainda, de mais funcionários, de estagiários,
especialmente de Museologia, História, Turismo,
Ciências ? e de voluntários de profissões
diversas, interessados nas questões de patrimônio
cultural e artístico da cidade”. Declara
a diretora do Museu que “em ocasiões especiais,
principalmente na promoção de eventos,
os voluntários poderão oferecer alguns
horas de trabalho em benefício do Museu, num
exercício de cidadania que será registrado
e divulgado”.
A
museóloga entende, também, que a AMC precisa
ampliar o seu quadro de sócios, não só
com moradores de Bom Despacho, mas também com
cidadãos bondespachenses e amigos da cidade residentes
em outros lugares, sobretudo em Brasília e Belo
Horizonte. A diretora do Museu da Cidade espera que
a sociedade organizada dê um forte apoio à
AMC, em sua tarefa de manter e desenvolver uma instituição
importante na preservação do patrimônio
cultural e da memória histórica da cidade.
Nilce
Coutinho, em seu planejamento do Ano Nacional dos Museus
propõe a realização de uma campanha
de doação de peças e documentos
de valor histórico e artístico. São
importantes os objetos que documentem a trajetória
do homem: objetos de uso pessoal, utensílios
domésticos, ferramentas de trabalho, móveis,
roupas, brinquedos, armas, máquinas, obras de
arte, instrumentos musicais, peças sacras e outras.
As doações recebidas serão devidamente
registradas e incorporadas ao acervo do Museu, com o
nome de seus doadores.
Atualmente,
integram os órgãos de direção
e o Conselho Deliberativo da AMC, cidadãos atuantes
na comunidade, entre os quais o padre Robson Teixeira
Campos, o engenheiro Renato Campos, o empresário
Ricardo Alvarenga, os professores Ademar Garcia de Carvalho
e Maria da Conceição Costa, a funcionária
municipal Maria Avelina de Jesus e outros voluntários,
especialmente Geraldo Pereira de Melo, Maria Eulália
Eleutério e João Batista da Silva.
Numa
visão contemporânea, a equipe do MdC entende
que “Museu é um espaço de arte e
cultura que, utilizando recursos e linguagens modernas,
oferece às pessoas a oportunidade de observar,
admirar e estudar documentos peças, objetos,
saberes e experiências que comprovam as conquistas
do homem através dos tempos” ? e que “O
museólogo estuda o passado numa relação
dinâmica com o presente. O seu objetivo é
o futuro, com as exigências cada vez maiores de
domínio dos conhecimentos e das técnicas
que constroem as civilizações.”(Jacinto
Guerra e Nilce Coutinho)
O
Museu da Cidade possui, em seu acervo, variado material
que documenta fases da historia da cidade; de personalidades
que marcaram passagem e deram exemplos de cidadania,
além de objetos de outros paises e de todo o
Brasil. Duas peças, um quadro a óleo da
Matriz de Bom Despacho, de autor desconhecido, e um
grande vaso de cerâmica pré-colombiana,
com ossadas humanas, encontrado na Fazenda Indaiá,
nas imediações da cidade, integram a relação
de bens tombados pelo Conselho Municipal do Patrimônio
Cultural.
Na
opinião de Ângelo Oswaldo de Araújo,
atual prefeito de Ouro Preto, que fez uma visita oficial
a Bom Despacho, em 1999, quando era Secretário
de Estado da Cultura, “uma das características
mais interessantes do Museu da Cidade é a diversidade
de seu acervo, que sinaliza perspectivas empolgantes”.
De
fato, nesse Museu, algumas surpresas aguardam, principalmente,
os turistas, que poderão conhecer registros da
cultura afro-brasileira, como a Língua da Tabatinga,
objeto de tese universitária e um livro da professora
Sônia Queiroz, da UFMG ? e matérias sobre
o trabalho das lavadeiras da Biquinha, que constituem
saberes e conhecimentos do patrimônio imaterial
de nossa cultura. Os estudos de Sônia Queiroz
têm repercussão internacional e, nos meios
universitários, a Tabatinga, periferia da cidade,
é mais conhecida que a própria Bom Despacho.
O
Museu possui desde peças muito antigas como um
tronco de madeira petrificada há milhões
de anos e a Igaçaba da Fazenda Indaiá,
com mais de mil anos, até produtos de indústrias
modernas do Município: o mobiliário do
próprio Museu e artigos com pedras semi-preciosas,
que são exportados para diversos países.
Encontra-se
representado, no Museu da Cidade, o Reinado de Nossa
do Rosário, uma tradição centenária,
também conhecida como Congado ou Festa do Rosário,
que o Correio Braziliense considerou como uma das festas
populares mais belas do interior do Brasil.
O
visitante poderá, também, conhecer e admirar
obras interessantes do artesanato de Bom Despacho e
de Vila Verde, Portugal, especialmente o Lenço
dos Namorados, bela tradição daquela cidade
do Minho ? e objetos de outras regiões do Brasil
e de países como a Argentina, o Peru, a Bolívia
e a Grécia.
A
Exposição de Arte Infantil, o Concurso
de Presépios e a Mostra de Arte da Juventude
são eventos que o MdC promove anualmente. Além
de seu valor educativo, atraem a atenção
da mídia e divulgam a cidade, tendo o Museu e
seus eventos conseguido espaço, inclusive na
Rede Globo de Televisão, no Estado de Minas e
na revista VEJA, sendo que, em 2005, o Concurso de Presépios
de Bom Despacho foi divulgado na Rádio Vaticano,
a emissora do Papa.
Para
assegurar o desenvolvimento e a permanente atualização
do Museu da Cidade, o presidente da AMC, Julio Fernández,
entende que “é necessário parcerias
mais amplas, principalmente com os órgãos
municipais de Educação e Cultura”.
A
Associação Museu da Cidade defende e propõe
convênios com o Sesc-MG – Serviço
Social do Comércio de Minas Gerais, que possui,
na cidade, um grande centro de turismo, cultura e lazer,
e com a Unipac-Universidade Presidente Antônio
Carlos / Campus de Bom Despacho, instituições
cujos objetivos se completam e se enriquecem com as
finalidades de um Museu ativo e moderno que, em 2008,
estará comemorando o seu 10º aniversário.
Atualmente,
o MdC encontra-se instalado num imóvel que não
permite o seu desenvolvimento, uma vez que o espaço
disponível não comporta qualquer ampliação
de serviços. Considerando o interesse do prefeito
Haroldo Queiroz em resolver, em caráter definitivo,
o problema de espaço físico do Museu,
a AMC trabalha no sentido de construir um prédio
para esta finalidade.
Em
Bom Despacho, os imóveis de valor histórico
e artístico, que são mais adequados à
instalação de um Museu, abrigam outras
instituições ou pertencem a particulares,
que neles ainda residem. Desta forma, a AMC pretende
colaborar com a Prefeitura no sentido de conseguir a
aquisição de um terreno para a construção
do Museu, em local de fácil acesso aos turistas
e moradores da cidade, especialmente pessoas idosas
ou portadoras de necessidades especiais.
Conseguido
o terreno para as obras do Museu, a idéia é
promover um Concurso de Arquitetura para a escolha do
melhor projeto de uma construção, ao mesmo
tempo, moderna, funcional e de baixo custo.
De
posse do terreno e do projeto arquitetônico, existe
a proposta de se instituir uma Comissão Executiva
de alto nível, que poderá ser presidida
pelo Prefeito e integrada por representantes da AMC
e da sociedade civil. Essa comissão deverá
encarregar-se de coordenar uma grande campanha de captação
de recursos ? verbas públicas, apoio empresarial
e contribuição do povo, com pequenas doações
e trabalho voluntário ? para, até fins
de 2008, construir e inaugurar o MdC num prédio
de arquitetura moderna, que deverá ser um espaço
de conhecimento, entusiasmo e alegria para o povo.
Em
Bom Despacho, o Museu da Cidade tem uma frase-símbolo
garimpada na poesia de Carlos Drummond de Andrade: “Depois
da cidade, o mundo; depois do mundo, as estrelas”.
(Texto
elaborado com a colaboração de Nilce Coutinho
Guerra e pesquisas na programação da Semana
Nacional dos Museus / Iphan / Ministério da Cultura,
arquivo do Museu da Cidade / Bom Despacho, MG e no Correio
Braziliense ( 26-5-2006, página 32, “A
filha da aviação”, reportagem de
Renato Alves).
*Jacinto
Guerra, professor, escritor e estudioso de Museologia,
foi Secretário de Cultura e Turismo de Bom Despacho
no primeiro governo de Haroldo Queiroz (1997–2000),
quando se instituiu o Museu da Cidade. É Secretário-Geral
e membro da Representação da AMC em Brasília.
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