por
Geraldo Mota - geraldo_mota@yahoo.com.br
Nestes dias estive lendo Sêneca, “Da Vida Feliz”,
escrito por volta de 58 d.C, assim, aproveitando um pequeno
trecho:
“... Portanto, a vida feliz é a que concorda
com a sua natureza. Ora, isso não poderá ocorrer
se, em primeiro lugar, a mente não for sã e
não estiver em perpétua posse da própria
saúde e, em seguida, corajosa e enérgica, nobre,
paciente e acomodada às várias situações.
Ela deverá também cuidar sem ansiedade do corpo
e do que se refere a ele, das coisas que adornam a vida, sem
se deixar deslumbrar por nenhuma, e estar pronta a utilizar
os dons da fortuna (destino), sem ser escrava deles.”
Maio me traz a sensação de estar vivendo dentro
dessas condições, num momento em que o concreto
deixa espaço para a imaginação, deixa
o coração falar mais alto e a mente levantar
vôo. Não de forma desorientada, batendo contra
paredes ou desabando dos penhascos, mas um vôo no qual
se pode encher os pulmões com um ar puro da manhã,
olhar o horizonte até onde a vista alcançar,
depois ficar parado, como se o todo o estivesse. Parece que
o céu não tem fim, é azul, não
um azul qualquer, um azul de imensidão, sem nuvens;
com brisa fria, na verdade, mas que acaricia o rosto como
se fosse o veludo, dá até para arriscar uma
corridinha pelo campo, com blusa e tudo. Não, não
é loucura, isso é olhar de águia, de
falcão, que tem na imensidão seu limite e na
sustentação o galho mais alto da mais alta árvore
da floresta, de onde tudo se vê.
Saber apreciar maio não é para qualquer um,
é preciso estar dentro dele, integrar-se à physis,
ou seja, à natureza, estar em sintonia com todo o universo,
sentir-se partícula infinitamente pequena, uma semente
alada solta ao vento, sem saber onde cair e em que terreno
fincar raízes. Apenas voar, voar, voar...
O mais interessante é que tudo isso não ocorre
somente nas manhãs, como de costume, mas o dia todo,
principalmente durante dia, em que, se em outra época,
a coisa esquentaria. Portanto, é uma manhã quase
interminável, que se desdobra dia a fora, para que
tenhamos a oportunidade, de quando atentos, percebermos a
presença da criação e da criatura. Sem
pensar qual delas é motriz do sentimento.
O crepúsculo, então, nem se fala, tem uma gota
de tristeza, como diz o Rubem Alves, que se transforma logo
em alegria, pois, não há a sensação
da alegria sem a presença daquela, para contrastá-la.
Nuvens avermelhadas anunciam o frio, mas também quantas
cores nossos olhos podem ver, do violeta ao vermelho, tudo
parece estar numa aquarela em que se derramou as tintas de
forma acidental, mas que não passa de um quadro moderno,
no qual não se busca figura, só a imagem, que
transcende em nossa mente, na forma do belo, do supremo, indizível,
praticamente o sublime.
Mas isso é rápido, tem de se apressar para não
perder o espetáculo, porque a noite logo chega, com
ela uma límpida miríade de estrelas cintilantes,
acompanhadas por uma lua, que, por sua vez, vem com uma grande
estrela brilhante que nunca a deixa só; para assim,
fechar a tela móvel que faz os amantes suspirarem e
os corações, mesmo que dos mais descuidados,
baterem como se estivessem sendo atacados por um fantasma,
o fantasma da ilusão, que em momento algum deixa de
nos trazer a felicidade, a lembrança, a tristeza ou
a esperança.
Bom
Despacho, 04 de maio de 2003, domingo, 02h 02 min.
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