Programa Senhora do Sol - Bom Despacho/MG

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O INSÓLITO OLHAR SOBRE A VIDA

OU, A PAINEIRA DA SANTA CASA.

por Geraldo Mota
geraldo_mota@yahoo.com.br

Outro dia, numa destas tardes de verão, em que o sol parece não querer nos deixar, mostrar sua potencialidade até que não mais tenhamos o que falar ou fazer sob seus raios nutrientes da esperança, oposição às trevas que vêm trazidas por vésper; falávamos sobre árvores, principalmente, porque, nessas circunstâncias, apresentam-se com maior evidência, graças às translúcidas luzes que delineiam seus troncos, parte secundária sob o ponto de vista da beleza.

Incrivelmente, detivemos nossos pensamentos sobre uma delas, quiçá porque faz, de maneiras várias parte da vida de todos os bom-despachenses, provavelmente não há um que não tenha, um dia, sentido seus efeitos, em bons momentos ou naqueles que nem sequer queríamos que existisse.


Falávamos da paineira da Santa Casa, aquela que fica defronte ao prédio do nosocômio, no início da pracinha, a observar os homens, em suas vicissitudes naturais, que os levam àquele local sempre por questões sumamente importantes, principalmente, particulares. Aquela árvore é especial na história humana citadina; assim, para não se omitir, ela apresenta sua participação de forma exemplar, mesmo que sem ser notada, na maioria das vezes.

Em seu ciclo, durante grande parte do ano, cobre com sua folhagem espessa as mentes preocupadíssimas que aguardam ansiosas o horário das visitas, que parece nunca chegar, debaixo de um sol escaldante das quinze horas e que, quando chega, parece um segundo, para aqueles que não querem deixar seus amores queridos convalescendo. Mas ela está ali, houve choros, lamores, conversas de parentes que tentam convencer os mais próximos de que a esperança não pode ir, que Deus é pai e sabe o que está fazendo. Num instante desses, além de enxugarem as lágrimas e o suor decorrente tanto da exposição solar quanto da concentração mental em busca de um alívio, fazem rodas debaixo da ramagem, nem notam que o frescor lhes acalanta um pouco o sofrimento, que algo está intervindo para que não seja tão duro aquele momento.

Noutras horas, a estática partícipe da agonia humana, com sua sobra fresca nota que a ciência venceu a natureza, que na roda de parentes abaixo, a alegria volta como se nunca existira, com uma intensidade que o próprio Santo Agostinho diagnostica em Confissões, pois, sempre valorizamos mais a vitória conforme a resistência do inimigo. Passa então a ser local de festejo, de agradecimentos ao sagrado, à ciência, aos amigos, enfim, a todos, só que sempre se esquecem de olhar para cima e agradecer o pálio que lhes cobriu e agora cobre a cabeça um pouco mais tranquila.

Chegamos à conclusão de que não poderia ser outra árvore a ocupar aquele local, porque solidária ao que lhe circunda, noutra época do ano, com suas folhas caducas, como numa simbologia do sofrimento que assiste, deixa-se despir, mostrando seu tronco e ramificações enrugadas pelo tempo, com aspecto de que tudo acabou, que agora o sol poderá castigar qualquer um, inclusive ela. Sofre, queima como se auto-flagelasse para redimir tanta dor. Não mais preferem sua companhia, nem querem olhar e ver aquela arquitetura sóbria e funesta, que parece querer espantar a esperança.

Ah! Mal sabe eles que aquilo é apenas o caminho desértico do êxodo que leva ao prometido, a vida. Logo em seguida, como num passe de mágica, recobre-se novamente, mas agora não como era antes, muito mais bela, muito mais forte, muito mais exuberante. Cobre-se de flores, não flores tristes, pelo contrário, flores maravilhosamente coloridas, de cor rosa avermelhadas, que provocam alegria mesmo naquela roda angustiada, agora sob sua sombra, que, quer queira quer não, impede que a tristeza reine absoluta. Nesse momento, ela está dizendo para todos que não está ali à-toa, mas para fazer parte do contexto bom-despachense de viver. Mostrando que o ciclo é inevitável, que o universo tem seu curso, sua cadência, haja o que houver, nada poderemos fazer senão sermos integrantes desse enorme bloco vital.

Bom, para não esquecer, sob sua folhagem noturna, que encobre as luzes artificiais, amantes se encontram e esquentam seus amores, dando, assim, mais um passo para a continuidade do ciclo.

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© Wilson Fortunato

 

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