por Roberto Coutinho.
De
nossa cidade quase tudo já se falou. Já foi
cantado em verso e prosa os recantos bucólicos de Bom
Despacho. Entretanto, um cantonato local, pouco ou nada ainda
se falou, reporto-me à Vila Militar. Além de
possuir um caudal interminável de fatos e casos, a
serem mencionados de sua vida castrense, ou seja, ocorridos
no seu quartel, pois quando se refere àquele local,
a primeira vista, o que vem na memória é o prédio
majestoso, imponente, ali fincado, intacto, por quase um século,
além dos militares que ali dão a verdadeira
razão de ser e fazem daquele ambiente a sua própria
história.
Ouso-me
a falar hoje da tão distante no espaço temporal,
mas presente e pulsante em minha memória, da Vila Militar
dos anos 50, período romântico e recheado de
aventuras de nossa existência. É como passar
um filme em nossas mentes, e "Pensar", como diz
Lupicínio Rodrigues, "é nada mais do que
voar, pois quando a gente começa a pensar, o pensamento
voa...". A partir daí vejo que naquela época,
nós crianças da Vila Militar, raramente ou quase
nunca, transpúnhamos o portão principal, pois
naquele pequeno-grande mundo dispúnhamos de tudo que
precisávamos para levar uma vida normal e rica de opções.
Naquele
tempo o único campo gramado do município, quiçá
da região, ali existia. Devido ao grande número
de militares aquartelados, pérolas de talentos, como
músicos e atores, peças teatrais eram encenadas
por aqueles anônimos artistas e seus familiares, além
de shows artísticos, apresentados semanalmente, no
coreto, até hoje existente, tendo de quando em vez,
sido convidados de nossa sociedade, artistas para ali se apresentarem.
No
intra muros da Vila Militar havia um verdadeiro ambiente comercial,
pois ali funcionava o Serviço de Subsistência
- armazém, moderno para a época, onde se vendia
de gêneros alimentícios ao calçado e vestuário.
Na cantina, se vendiam as guloseimas, como picolés
fabricados ali mesmo e o famoso "doce na palha",
que o Sr. Frederico, lá da Prata, fornecia, além
do leite in natura, para alimentar e saciar o apetite de um
pequeno batalhão de crianças, pois naqueles
tempos as famílias eram numerosas, e como diz a verve
popular "deixe nascer as crianças que Deus cria".
Não se pode deixar de registrar a padaria, que funcionava
anexa a cantina, com seus pães-doces, o famoso "jacaré".
Logo
depois da igrejinha, no início da Rua de Baixo, funcionava
o açougue, onde bovinos ou suínos eram ali mesmo
abatidos e comercializados, fator de disputa, já que
as melhores peças tinham destino certo e o restante
salvava-se quem puder.
No
final das casas dos oficiais e início dos chalés
das praças - sargentos, cabos e soldados - imponentemente
se acha fincada a igrejinha, dedicada a Santa Efigênia,
padroeira dos militares. Naquela ocasião, era dirigida
pelo saudoso Padre César Álvaro de Carvalho,
um meter espiritual bastante exigente e cumpridor de suas
obrigações, acredito que tenha sido o primeiro
capelão do 7º BPM. Observador que era, durante
os festejos carnavalescos ocorridos no ginásio de Educação
Física, onde hoje encontra-se o auditório do
Colégio Tiradentes, ele ficava à porta de sua
casa e quem passasse por ali com sinais visíveis de
ter ido ao baile carnavalesco, levava um sonoro pito. As crianças
daquela época tinham uma atividade religiosa bastante
dinâmica, que começava no sábado com a
Cruzada Eucarística e, no domingo pela manhã,
a Missa das Crianças e à tarde o Catecismo,
isto tudo acompanhado, passo a passo, pelo Padre César.Depois
do cumprimento do ato religioso, éramos autorizados
para assistirmos a matinê, no cineminha, sala de projeção
que ficava instalada onde hoje se encontra o auditório
do 7º BPM.
Aqui
ficam registradas estas impressões, de quem vivenciou
estes e outros fatos do cotidiano da Vila Militar. Omitimos,
por simples opção, nomes de pessoas, seres humanos
simples e humildes, que naquela ocasião ali viveram
e criaram dignamente suas famílias, com parcos recursos
financeiros e que são verdadeiros heróis anônimos,
que dentro da modesta visão de um pretenso escriba,
deverão ser mencionados em momento oportuno, para perpetuação
de suas memórias e uma homenagem justa aos seus descendentes.
Roberto
Coutinho - militar reformado da PMMG.
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